Quando eu tinha quinze anos em 1988, Cazuza lançou a música Ideologia. Discutia-se que os jovens poderiam votar a partir dos 16 anos e que isto seria uma estratégia da burguesia (nossa, estou usando a palavra burguesia. Viu como eu tinha mesmo 15 anos na década de 80?) para obter mais votos para os partidos de direita.
O que os jovens fizeram então foi tirar seu título de eleitor e votar na esquerda. Eu mesma, na minha primavera, fiz campanha para o Roberto Freire, PCB à época, embora não tenha completado idade suficiente para votar naquele pleito.
Ao mesmo tempo que discutíamos política, deixávamos pouco a pouco para trás o medo de uma Terceira Guerra Mundial com bombas atômicas e o extermínio da humanidade. Alguns de nós comemorava seu Baile de Debutantes ou ia para intercâmbios no exterior.
Nos anos 80 – hoje tão cortejados pela molecada da geração Y – era difícil você ter uma ideologia 100%, porque nossas lutas de classe eram, em grande medida, as lutas de nossos pais. E o futuro era (vagamente) mais promissor que ameaçador. Então, se Cazuza queria uma ideologia para viver, nós queríamos apenas poder dirigir aos 16 anos também, por questões de paridade de direitos.
Acho que foi a partir deste cenário cambiante que, passadas duas décadas, a palavra ideologia deixou de ser desejada. Da luta de classes, agora se luta por sua própria felicidade. As pessoas foram buscar ser saudáveis, ser jovens, ser belas, ter prazer, ter sucesso, ter paz de espírito. Hoje em dia, apenas os muito velhos, ou os muito rebeldes, ou os muito anacrônicos têm ideologia: todos querem é seguir uma filosofia de vida.
Eu mesma entro no rol: busquei o yoga como filosofia e deixei de lado minhas ideologias adolescentes. Filosofia é mais brando, não pressupõe confronto. Quem primeiro percebeu isso foi a publicidade. Sei que atualmente é errado elogiar este tipo de anúncio, mas a propaganda mais bacana de minha geração foi a dos cigarros Free, “cada um na sua, mas com alguma coisa em comum”.
Depois do Free, ninguém mais quis parecer cafona a ponto de brigar. Até mesmo uma ideologia combativa como a do vegetarianismo - que, de maneira refinada, acusa a humanidade de ser homicida -, não é tomada como tal, mas preferencialmente como uma filosofia.
Então somos todos filósofos. Ninguém se movimenta mais por ideal nenhum.
O que acho uma pena. Acho de uma pena miserável. Quando surge uma problema que precisa ser combatido, dos terríveis aos mais cândidos, nós que somos filósofos não conseguimos nos mobilizar, não sabemos por onde começar a exigir direitos e cobrar deveres.
E não fazemos nada.
A única coisa que tira nós filófosos de nossas posições é quando precisamos reivindicar aumento de salário. O mundo muda, mas uma coisa continua perene: em questão de dinheiro, só existe uma filosofia: a ideologia do ganhar mais.
2 comentários:
Não reivindicamos "aumento" de salário.
Apenas reposição salarial.
É mais politicamente correto.
Tem razão, Gwarlock!
Postar um comentário