quinta-feira, 12 de julho de 2012

Madame, não!

Madame era bem nascida, filha de usineiro do Nordeste. Tinha o passaporte carimbado de antes de nascer, que sua mãe, super vip, fez ultrassom 3D e colocou a foto pro consulado carimbar. Nasceu em Sergipe, mas só nasceu lá, que a mãe achava bonito a filha ter raízes. Desenraizou-se logo, com quarenta e um dias tomou a ponte-aérea São Paulo – Nova York só de ida. Quando teve idade para viajar de menor desacompanhada, pulou carnaval na casa da tia, conheceu o frevo da sacada, achava engraçado o sotaque das primas que não achavam graça nenhuma de não terem o sotaque dela. Com a idade de treze anos o pai lhe disse você é uma moça e agora deve se instruir: mandou-a pra Suíça. Aprendeu mais uma terceira língua, assim, fácil, de ficar de conversa com as amigas do colégio. A faculdade fez de Design, mas foi em Milão, quando alçou voo até Barcelona, para um estágio não remunerado sustentado pelo pai, usineiro. Agora tinha já vinte e cinco anos e quis seguir carreira própria, era muito inteligente, muito disciplinada, recebeu incentivo de todos os amigos do pai e da mãe, dos amigos dos amigos do pai e das amigas das amigas da mãe: montou uma importadora de roupas para atender a todos eles que achavam incrivel como ela se vestia. Foi a primeira que trouxe aquelas marcas bacanas para o Brasil, e então se apaixonou. O noivo, sucessor de forte grupo industrial com base em São Paulo, promissor executivo de 42 anos. O casamento movimentou as duas fortunas, os amigos dos amigos dos amigos de ambos mãe e pai, mãe e pai, e comprovou o bom gosto da herdeira do usineiro, em breve, também mãe dos herdeiros do industriário. Vendeu a loja para admiradores, dedicou-se com afinco à educação dos filhos, à decoração do novo lar, aos compromissos sociais da agenda do marido. Foi convidada a posar para revistas de moda como símbolo da nova consumidora do luxo no Brasil. Pousou, mas então não era mais madame. Era chamada, agora, de corporate wife. E quem duvide que procure nas revistas. Alcunhas fazem muita diferença na hora de vender biografias.

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O que nos cansa.

Sabe o que é cansativo hoje?

É quando eu quero a opinião de um jornal sobre livros, ele me abre uma lista de blogueiros; quando eu quero ler sobre decoração numa revista, ela me direciona pra sua loja virtual; e quando eu quero comprar uma roupa, a loja me envia o link de sua comunidade online.

Chega! Pelo amor de deus, voltemos ao básico.

Num jornal, dê-me a edição; numa revista, dê-me a seleção; numa loja, dê-me produtos. E não me dê blog nenhum – eu mesma acho; não me dê ecommerce nenhum – eu não caio nessa; não me dê comunidade nenhuma – não quero me relacionar, só comprar.

O que nos cansa hoje é que todo mundo acha que pode fazer de tudo – e você acaba se sentindo na obrigação de fazer também.

Nunca conseguirei entender porque o blog com receitas incríveis do Caldo Knorr pode me ensinar a cozinhar melhor que o Livro de Receitas da D. Benta; jamais entenderei como a loja virtual da Minha Casa pode vender melhor que a Tok Stok; e com certeza não há explicações que me convençam que seja mais vantajoso descobrir a programação cultural da cidade através dos comentários dos leitores em vez de abrir a página de cultura do jornal.

A melhor coisa do jornalismo é a edição. Sim, é a melhor e a pior coisa – mas é o que o diferencia. Quando um jornal deixa de editar e enfia um monte de blogueiros e colunistas para dar a notícia, vira o caos. Pra que ler jornal, então?

A melhor coisa de uma revista é a seleção. Sim, outra palavra para edição – mas é o que a diferencia. Quando uma revista deixa de selecionar e passa a vender, vira publicidade. Pra que ler revista, então?

A melhor coisa de uma loja são os produtos. Sim, os produtos não se vendem sozinhos – mas é o que a diferencia. Quando uma loja começa a vender mais os seus clientes que seus produtos vira confraternização. Pra quer comprar na loja, então?

Para nos cansarmos menos, devemos focar. O conselho vale para consumidores, evidentemente, e para empresários, naturalmente. Mas vale também para funcionários: ou vocês acham que a empresa vai montar uma equipe nova só pra cuidar do ecommerce, das redes sociais, do programa de afiliados e deixar vocês trabalhando na velha planilha de custos de antes?

Quando sua empresa vier com a ideia de atirar para todos os lados, seja o primeiro a dizer olhando nos olhos dos colegas: Ah, não, vocês querem se cansar mais ainda? Você terá feito uma boa ação. Uma só, que mais de uma cansa.

 

escrito por Mayra Corrêa e Castro

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Paguem royalties a Napoleão.

Napoleão Bonaparte foi um cara amado e odiado em seu tempo. Substituiu a ambição religiosa pela glória militar no imaginário francês. Vendeu-se como o governante ideal aos anseios burgueses na França pos-revolucionária. E não foi só. Pilhando estátuas, quadros e manuscritos dos derrotados de suas batalhas pela Europa, engordou o Louvre a ponto dele se tornar o maior museu a sua época. Mas acabou desterrado. Quando reis eram decaptados, deve ter sido aliviante, a um imperador, ser apenas exilado.

Napoleão rende inúmeras piadinhas, das mais infames às mais inteligentes. Rendeu recentemente um livro em que tentarm enxergar naquele temperamento megalômano e criativo a excelência de um CEO de empresas multimilionárias. Mas está perdendo a fama. Se pergunto aos meus filhos qual era a cor do cavalo branco de Napoleão, eles acertam a resposta, mas vêm com a dúvida: quem era Napoleão, mamãe? Quando era eu com a idade deles, questionaria: é, mas já vi num livro um quadro dele montado em cavalo marrom.

Quase duzentos anos após sua morte, que apelo Napoleão poderia ter para a garotada?

Eu também acho que nenhum.

Mas então abro uma caixa de chicletes Mentos, que vem com o nome UP2U, em que o truque é, na mesma embalagem, você ter 7 unidades de chiclete sabor tutti-frutti mentolado e 7 chicletes sabor menta. Qual a jogada? Na dúvida entre um sabor e outro, leve os dois. Até aí, nada de mais. Um case banal de marketing.

Até que você se depara com uma citação de Bonaparte no interior da embalagem:

“Nada é mais difícil, e por isso mais precioso, do que ser capaz de decidir.”

Putz, perdi a vontade de mascar o chiclete. Não é possivel que precisem de tanto aval e gravidade para vender uma simples caixa de chiclete que, por si só, já é vendável em sua embalagem prata toda linda.

Fico pensando que raio de briefing deve ter gerado a necessidade dessa citação, que coordenador de comunicação ficou cavando o Google à noite para propor à sua gerente que propôs ao seu diretor que usassem a frase de Napoleão para apoiarem o novo lançamento. E fico imaginando o atendimento da agência recebendo o briefing e repassando a frase para o incrédulo diretor de criação, que se vira para o redator, que lê a frase escrita no papel, que reclama:

“Eu não escrevo esta campanha. Paguem royalties a Napoleão.”

Nada é mais ridículo do que quando o marketing quer emprestar gravidade àquilo que absolutamente não precisa ter.

Mas, no final, a campanha sai do mesmo jeito. Só fica o lamento por Napoleão, de novo alvo de piadinhas.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A decisão complexa do apoio.

A Sociedade Vegetariana Brasileira conseguiu, nas suas palavras, “um apoio de peso” para a campanha Segunda Sem Carne: a chefe da Casa Civil, a ministra Gleisi Hoffmann.

A ministra, que é de Curitiba, já era vegetariana, mas não fazia alarde de sua dieta. Faz pouco mais de um ano que ela saiu da cidade para ser empossada em Brasília, e nem antes, nem durante – apenas agora, depois – resolveu fazer bandeira com uma causa que lhe é particular.

Nós, vegetarianos, estamos todos comemorando. Ou mais ou menos eu, porque o diacho da contemporaneidade é que tudo é complexo – nada, nunca, tem apenas prós ou apenas contras, mas prós e contras na mesma medida.

Quando Dilma era a ministra-chefe da Casa Civil, a Casa Civil era alguma coisa de importante. Que é a Casa Civil agora? Todo mundo sabe que entregar a Casa Civil a Gleisi foi um prêmio de consolação: o PAC tinha passado para a pasta do Ministério do Planejamento e o marido de Gleisi, contra expectativas, tinha ficado apenas com o Ministério das Comunicações.

É legal termos uma ministra vegetariana apoiando a Segunda Sem Carne. Decerto. Mas ela, na Casa Civil, é quase uma primeira-dama. Em termos de primeiras-damas, o Brasil – com exceção de D. Ruth Cardoso – nunca ganhou muito com elas.

As primeiras-damas, por aqui, sempre chamam mais atenção pelos seus disparates e futilidades – e temo que seu apoio à campanha, aos olhos de 91% dos brasileiros não-vegetarianos, soe esdrúxula.

Por outro lado, congratular a adesão de Gleisi é, indiretamente, bater palmas à política ambiental do PT. A Segunda Sem Carne é uma campanha essencialmente ecológica. Ela foi inspirada na campanha Meat Free Mondays de Paul McCartney.

As pessoas que têm aderido à campanha são, em sua maior parte, celebridades descomprometidas com política. As implicações políticas da campanha são graves e parece que os políticos preferem não se comprometer com elas.

Em Curitiba, quando a Segunda Sem Carne foi lançada dentro do Mercado Municipal, a prefeitura recebeu protestos dos açouges do Mercado. Isso quase levou a campanha à pique. Imagine então o que significa um político de “expressão” nacional apoiar a campanha? Ao invés de varejistas da carne, virão os importantes frigoríficos que apoiaram a eleição de Dilma, como o JBS, criticá-los.

A Segunda Sem Carne quer mostrar uma coisa só: parar de comer carne é a única solúvel viável, de médio prazo (no curto não há nenhuma), para conter a derrocada do meio-ambiente. Ela traz pras mãos dos cidadãos a decisão de fazer alguma coisa, já que, quando protestamos, o governo não nos ouve (ou Dilma teria vetado a totalidade do Código Florestal). 

O receio é de que a camiseta da Segunda Sem Carne empunhada na foto de Gleisi esvazie a campanha do que ela tem de mais forte: a denúncia às políticas ambientais do governo federal que privilegiam latifundiários e grupos frigoríficos em vez da agricultura familiar e orgânica.

Gleisi segurando a camiseta da campanha é, por determinado viés, algo fútil. Transforma a campanha em uma coisa que celebridades fazem – afinal, eles estão sempre apoiando causas sociais porque não têm mais nada de importante pra fazer.

Apoio, apoio mesmo seria Gleisi dizer que é vegetariana e fazer o Brasil conhecer que a Amazônia é desmatada por causa da demanda por pasto e soja para alimentar o gado que financiou a campanha do PT nos últimos 10 anos.

Enquanto um político estiver no poder, segurar uma camiseta é o mínimo mais nefasto a uma causa que ele pode fazer.

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

A minha opinião é só minha e não reflete a opinião da SVB.