terça-feira, 6 de outubro de 2009

Estão cobiçando minha lixeira.

Moro numa casa em uma rua que, até um ano atrás, era a coisa mais tranquila do mundo, exceto pelo movimento constante de carros, dado que a tal rua serve de contorno para uma via rápida.

Mas era uma rua boa, seja do ponto de vista da pessoa física, seja do ponto de vista da pessoa jurídica, porque me deixa perto de tudo e perto de meus alunos, além de prover dois lados de rua para estacionamento de carro.

Mas, ai, a rua se tornou cobiçada: em um ano, instalaram-se nela dois restaurantes, um deles que funciona dia e noite, e mais duas clínicas médicas. Para piorar a situação, constrói-se em sua esquina um prédio de sete andares cujo apartamento mais barato custará novecentos mil reais.

Se a rua é cobiçada, cobiçosos também se tornaram os guardadores de carros. Antes, vinham esmolar seu trabalho apenas à noite, na esquina oposta à minha, onde funciona uma movimentada pizzaria. Agora, vêm esmolar também durante o dia os trocados que os frequentadores dos restaurantes e das clínicas lhes deixam por "cuidarem" de seus carros.

A ganância é companheira do progresso e, ciente disso, restava-me lamentar apenas a perda da tranquilidade de oferecer aos meus alunos uma rua fácil para pararem o carro enquanto faziam sua aula de yoga. Por outro lado, pude me rejubilar por mais pessoas passarem em frente de meu estúdio, aumentando assim sua visibilidade.

Mas a cobiça entranhou-se nesta rua e agora maldigo suas influências nefastas, pois elas atingiram também a minha lixeira. Sim, a lixeira de metal pintada em creme que tenho mantido em bom estado de conservação na calçada em frente de minha casa e onde, todos os dias, deposito meu lixo orgânico e meu lixo reciclável para serem levados pelos pontuais caminhões desta Prefeitura.

Dá-se que esta lixeira fica na passagem de ida e na passagem de volta dos frequentadores dos tais restaurantes. Como o bom brasileiro tem por hábito tomar um cafezinho em copinho descartável após seu almoço e acha nisso tal prazer que o estende à rua enquanto caminha de volta a pé por ela; tais patriotas, querendo tomar parte no ato cívico de não jogar lixo na rua, descartam seus copinhos plásticos, esvaziados ou cheios pela metade, em minha lixeira. Gesto muito louvável este de não atirar os copinhos pelo chão!

Uma rua movimentada não apenas atrai a cobiça humana, mas decerto atrai a cobiça canina, pois que, de um ano para cá, mais cachorros pediram aos seus donos para passearem por aqui. Certamente, os cães gostam do movimento de tanta gente a estacionar e sair de seus carros, a andar para cá e para lá com seus copinhos de café e posso vê-los pedindo uivantemente aos seus donos para os levarem passear a um lugar mais "agitado".

Ah, pois sim que gosto de ver formosos cãezinhos badalando na calçada em frente de casa. Vez por outra, dão de fazer seu xixizinho no meu muro ou no pé da árvore que cresce na calçada, ou vêm fazer seu xixizinho no pé da cobiçada lixeira, já tão disputada pelos copinhos de café.

Os cães têm seus direitos e somos tão humanos quanto eles os são cães. Se nossa raça prefere fazer suas necessidades dentro de casa, tão melhor para eles, que ficam com todo o espaço de fora para as suas! Infelizmente para suas necessidades, elas não podem mais ser cobertas por terra, pois reduzimos os canteiros de terra em nossas calçadas e ruas e, sendo assim, coube aos tristes cães deixar que seus donos asseverem sua fama por serem eles pudicos ou não a respeito da exposição pública de suas fezes, conforme seu dono trata de recolhê-las ou não do meio da calçada. Neste ponto, creio que levamos vantagem sobre os cães, enquanto pudermos apertar uma descarga para fazer desaparecer aquilo que não digerimos.

Até este ponto de minha narrativa, tudo parece correto, pois que em Curitiba muitos são os donos que recolhem as fezes de seus cães e permitem a esta bela raça gozar da aprovação humana geral quanto aos seus hábitos defecatórios. Belo exemplo de comportamento cidadão recolher as fezes do próprio cachorro! Um ato venerável de seu dono e demonstração irrefutável de que se importa com a imagem de seu cão!

Mas, ai de novo de mim, minha lixeira, que, desconfio, deve ter sido recentemente pintada não com tinta látex, mas com tinta à base de ouro, é vítima da cobiça também destes saquinhos cheios de cocô, que preferem ser descartados nela que nas lixeiras das casas de seus donos!

Segue assim que, ao final de cada tarde, encontro em minha lixeira tantos tesouros adornando-a; ela, que, por si só, já parece ser o monumento mais desejado de toda a Barão de Guaraúna: encontro despejados nela copinhos de café, encontro saquinhos recheados de cocô de cachorro, encontro também restos de marmita e, pobre de minha reputação, latas e garrafas de cerveja que não me pertencem. Esqueci de comentar, mas minha lixeira fica no caminho de um estádio de futebol e, em dias de jogo, acaba sendo alvo também da cobiça de torcedores que querem apenas se aquecer com um traguinho de bebida.

Eu deveria me sentir afortunada por ter na calçada uma lixeira cobiçada por tanta gente, posto que ninguém prefere segurar seu copinho de café para jogá-lo na lixeira de seu próprio escritório, ou segurar o saquinho de cocô para jogá-lo no lixo de sua própria casa. Deveria me sentir afortunada por ter algo que tantos desejam! E, certamente, deveria ajoelhar-me no chão todos os dias, para agradecer, no final da tarde, de poder recolher de minha lixeira os dejetos de cidadãos tão conscientes de seu dever de não jogar lixo na rua! Poderia ser bem pior, eles poderiam jogar seus dejetos diretamente na calçada e, então, eu teria um trabalho maior ainda de recolhê-los!

Entretanto, sinto-me inclinada a ajudar estes cidadãos a se desapegarem de sua cobiça - minha lixeira - e penso seriamente em arrancá-la da calçada. Assim, contribuo para que as lixeiras dos escritórios e de outras casas não sofram de solidão por terem decaído na preferência de seus usuários. Devemos pensar no meio-ambiente e, com certeza, o desuso em que se encontram as lixeiras das outras pessoas pode colocá-las em risco de extinção! Seria um mal terrível e não quero ser acusada pela autoria!

E quanto aos cãezinhos, ora, eles não precisam do pé de um lixeira para fazer seu xixizinho Meu muro é tão grande... Creio que serão até mais felizes sem a lixeira, porque não mais ficarão encabulados de ver suas fezes expostas assim no lixo alheio.

Mayra Corrêa e Castro

Curitiba, PR - 06/10/09

quinta-feira, 12 de março de 2009

Dia Mundial sem Carne - Vegetarianismo, a nova bandeira de nossos filhos

20 de Março – Dia Mundial Sem Carne
Vegetarianismo – a nova bandeira de nossos filhos

Olá, Namaste.

Faz bastante tempo que quero escrever sobre isso, mas sempre tive receio de ser mal interpretada. Como em breve, nos dias 20 e 21 de março, ativistas veganos no mundo inteiro sairão na rua para comemorar o Dia Mundial Sem Carne, achei que a data seria oportuna para este texto.

Desde 2007, quando comecei a participar do movimento curitibano da Sociedade Vegetariana Brasileira, fiquei surpresa com a quantidade de jovens vegans presentes nas atividades organizadas por nós. E estou falando de jovens mesmo, entre a casa dos 15 e 25 anos.

Quando eu mesma me tornei vegetariana, há anos atrás, foi difícil ter a compreensão dos familiares e dos amigos. Quando tive filhos - e eles são vegetarianos desde a concepção – foi ainda mais difícil, inclusive de mostrar ao obstetra e ao pediatra que meus meninos poderiam ter um desenvolvimento normal e saudável sem carne. Ainda hoje, em minha transição para o veganismo, encontro desinformações, hábitos arraigados e preconceitos que dificultam esta tomada de decisão. Não é fácil levantar qualquer bandeira que seja, ainda mais uma que derrube noções tão arraigadas como estas de que o ser humano precisa comer carne e que tem direito sobre a vida dos animais.

Porém, tenho 35 anos, sou adulta e respondo pelos meus atos. Recebo críticas, mas a idade nos ajuda a lidar com elas. Por isso é que olho com tanta admiração para esta garotada que está se tornando vegetariana em tenra idade, e ainda sob a tutela dos pais. Eles são tão novos e estão se levantando contra a cultura do churrasco, a cultura do fast-food, contra a indústria de pele e couro, contra a indústria farmacêutica e de cosmética que usa cobaias animais. Estão se rebelando contra milhares de anos em que ter carne para comer é sinal de saúde, de fartura e de tempos bons.

Veja, não quero incitar celeumas familiares. O que quero é tão apenas mostrar minha própria experiência: se seu filho se tornar vegetariano, isto não quer dizer que ele entrou para uma seita ou que deixou de amá-lo.

Significa apenas que ele vive num mundo ameaçado pelo aquecimento global e sabe que a criação de gado responde não apenas com 18% da emissão de metano na atmosfera, mas que também corresponde pela devastação das florestas e pela disseminação da soja transgênica.

Significa que ele sabe que a humanidade não vive tempos de escassez de alimentos, mas que o vegetarianismo não apenas dá conta de alimentar toda a população do planeta, como torna as áreas mais pobres autônomas na produção de sua própria comida.

Significa que ele sabe que a ciência já chegou em um estágio de desenvolvimento que não precisa mais usar a vida de animais indefesos para testas seus produtos e nos mostrou que, embora estes animais não possam falar como nós, eles podem sentir, e sofrer, e que criam elos entre si e conosco.

Aliás, seu filho, que não foi criado numa fazenda vendo o abate de uma galinha ou de um porco para a janta de domingo, fica horrorizado de saber que o nugget que ele comeu é feito da carne de uma galinha que foi morta. A única galinha que ele conhece é aquela do desenho Fuga das Galinhas e sua sensibilidade enxerga como crueldade tanto matar uma galinha, quanto matar seu cachorrinho de estimação.

Nossos filhos terão, aliás, eles tem uma outra sensibilidade. E que bom que tem!

Se não fosse por uma sensibilidade nova, os jovens que gritaram contra a escravidão no século XIX não teriam conseguido criar um mundo onde todos os homens nascem livres. Se não fosse por uma nova sensibilidade, os jovens não teriam gritado contra a Guerra do Vietnã e ainda hoje acharíamos natural mandar nossos filhos para a guerra.

Quero crer que essa garotada nos está conduzindo através de sua nova sensibilidade rumo à libertação dos animais. E, como nossa era é a da informação, não podemos ingenuamente supor que eles não sabem o que estão fazendo e que estão pondo em risco sua própria saúde.

Na verdade, porque são informados é que estão urgentemente divulgando o vegetarianismo, mostrando que esta é a opção mais sensata e que mais rapidamente pode reverter a derrocada ecológica de nosso planeta.

Eles também são responsáveis e corajosos, porque estão assumindo a árdua responsabilidade de cuidar da vida de bilhões de seres vivos conscientes que não podem falar por si mas, se falassem, diriam que querem apenas viver em paz e com liberdade.

Por tudo isso, neste Dia Mundial Sem Carne, dê uma olhada por aí para ver que bandeira é esta que nossos filhos estão levantando. Haverá manifestações no mundo inteiro e aqui em Curitiba também. E eles estarão comemorando o dia com muita salada, muitos legumes, muitos grãos germinados, cozidos integrais e sucos de frutas. Você até pode achar que são apenas rebeldes, mas é inegável que são mais saudáveis, e sensíveis, e que levantam uma bandeira, novamente, de paz e amor.

Go vegan!

Com muito respeito, Mayra C. Castro.