quinta-feira, 20 de junho de 2013

É por 20 centavos, sim, dá licença?!

Novamente estão zombando da classe média no Brasil. Novamente estão querendo dizer que as manifestações que explodiram, em todo o país, a partir do aumento da passagem de ônibus na cidade de São Paulo, são ilegítimas, feitas pela elitezinha de direita.

Num post, li que essas manifestações não são nada perto dos verdadeiros movimentos sociais que ocorrem nas periferias das cidades, ou nos rincões agrícolas, esses, sim, oriundos do verdadeiro povo que sofre.

Noutro, li que as pautas que estão surgindo, como “fim da corrupção”, “impeachment da Dilma”, “contra impostos” são reacionárias.

Acho lamentável que a classe burguesa brasileira tenha, em algum momento de sua parca trajetória de vida, assumido culpa por pagar plano de saúde, por pagar escola particular, por pagar IPVA e por pagar Imposto de Renda.

Acho doloroso que, em algum momento surreal na história do Brasil, pessoas que trabalham 8 horas por dia, gastam 30% do que recebem com moradia, 10% com educação, 10% com transporte, 20% com alimentação e 20% com saúde, sejam incitadas a pensar que estão na dívida com os oprimidos.

Acho uma pena que a classe média, no Brasil, seja forçada a acreditar que tem o que tem (nossa, e deve ter um tantão mesmo, não?!) porque nasceu em condições favoráveis.

Acho um escândalo que sejamos obrigados, por uma questão de não ofender os que têm menos dinheiro que nós, assumirmos que essas manifestações não sejam por R$ 0,20. Eles (os críticos) devem pensar que reclamamos de barriga cheia.

Em primeiro lugar, o verdadeiro povo brasileiro somos todos nós, os mais ricos, os mais pobres, os nem tão ricos, os nem tão pobres, os mais pra ricos, os mais pra pobres e o restante que tá na média alta, na média média e na média baixa. Não existe um verdadeiro povo brasileiro.

Os ricos argumentariam que, se não fosse por eles, não haveria empresas que geram empregos para os pobres e pros média, divisas pra investir em programas sociais pros pobres e financiamentos pros média.

Os pobres argumentariam que, se não fosse por eles, não haveria mão de obra que tornam os ricos mais ricos e os média menos média.

Os média argumentariam que, se não fosse por eles, não haveria arrecadação de impostos que geram os programas sociais para os pobres e que geram fundos para financiamento das empresas dos ricos.

Quem tem razão? Todos têm.

Está na hora de vivermos com a cabeça de século XXI. O mundo é complexo demais para as relações serem polarizadas. Não existe mais essa coisa de explorador e explorado. Todos somos o tempo todo explorados, e também os exploradores.

Sob um ponto de vista, um funcionário público que goza de licença prêmio remunerada é tão burguês quanto um dono de negócio.

Sob um ponto de vista, um pobre que, empregado numa indústria, arruma “papel do postinho de saúde” pra poder fazer bico como servente ou diarista é tão corrupto quanto um vereador que usa o carro oficial pra levar a filha na escola.

Sob um ponto de vista, um rico que coloca dinheiro na campanha de um candidato à presidência é tão interesseiro quanto um professor de rede pública que vota no candidato que promete aumentar o salário da sua categoria.

No mundo atual, é muito, muito difícil classificar bons e maus apenas pela ética. O único critério que talvez não dê margens para dúvidas sejam agressões contra o corpo e a vida de alguém, agressões literais, do tipo assassinato, mutilações, pancadas, negação de cuidados médicos.

Quando a classe média quiser brigar por R$ 0,20, qual é o problema? Não, falo sério, qual é o seu problema com a classe média levantar a bunda do Facebook e ir pras ruas exigir o que ela acha de direito?

Por que, no Brasil, apenas os sem teto, os sem terra, os sem salário podem ir pras ruas? Que tipo de miopia você tem que não enxerga que as reivindicações, depois do século XX, são plurais mesmo? Cada um, hoje, fala por si. Inclusive você, que acha que está falando pelos outros, fala por si, para aplacar a revolta que o corrói por dentro e faz com que você queira dedicar sua vida àqueles que não têm o mesmo que você.

Vamos assumir de uma vez por todas que somos intrinsecamente individualistas. E que não há o menor problema em sermos assim.

Individualistas estão, hoje mesmo, dando voz aos animais que não têm voz própria para lutar por seus direitos. Qual é o sentimento que move esses ativistas vegans? Querem proteger aqueles que amam.

Individualistas estão, hoje mesmo, reivindicando a reintegração de posse a povos indígenas. Qual é o sentimento que os move? Querem sentir que a justiça está sendo feita.

Individualistas estão, hoje mesmo, doando trabalho voluntário na ressocialização de drogados de rua? Qual é o sentimento que os move? Querem tornar a vida algo que valha a pena.

Se as reivindicações lhe parecem reacionárias, olhe para as que você faz, que, certamente, na visão dos que não são alvo delas, são tão excludentes quanto as que estão sendo manifestadas hoje. Nenhum ser humano merece menos do que o outro.

Se lhe incomoda o tom ufanista dessas manifestações, tenha compaixão. Muitos dos que estão na rua nasceram na virada deste século. Não estão fazendo por mal, não querem ofender, não querem desvalorizar o tanto que sua geração fez por este país. Mas eles viverão mais tempo que nós, nesta pátria, a contar de agora; e o Brasil deles realmente é uma porcaria, vamos concordar: tem inflação (nós sabemos viver com inflação, eles não), tem corrupção impune, tem governantes que não os representam, tem um sistema político e tributário fossilizados e, pior, parece não ter solução, parece ser disso pra pior.

A gente tem mais é que gritar junto, apoiá-los. Reprimir e ridicularizar é o modo como fomos educados no século XX. Arrume outro discurso, outro jeito de criticar.

Coloque mais neurociência na sua sociologia; mais física quântica na sua matemática; coloque mais verde na sua massa cinzenta.

Deixe que este seja um país onde é legítimo qualquer cidadão brigar por R$ 0,20. 

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2013