quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Autobiografia numerológica

Sou dada a numerologias. Aos que também têm a mania, escrevo logo meu nome. O de batismo: Mayra Corrêa e Castro.

Sim, eu sei, há um Y. Um Y, como Pitágoras advertiu, dificulta um pouco as coisas. Olhe o formato dele, um caminho bifurcado. Querem dizer que o Y faz a pessoa mudar muito de caminho até achar o seu. Veja por onde ele me levou até agora, idade de 39:

– Nasci paulistana, cresci joseense até os 18, estudei-me campineira dos 19 aos 22, vivo curitibana desde os 23.

– Formei-me linguista por 4 anos, trabalhei marketeira durante 10, subsisti professora de yoga por 9, ensino aromaterapia há 5, agora quero escrever.

– Aos 13 conheci meu atual marido. Temos dois filhos paranaenses, um nascido no Norte, outro mais pro Sul.

– Tomei leite materno, comi carne de vaca; hoje não quero mais nada da vaca, nem do boi nem dos bezerros: vegetariana há 12 anos.

– Estudei francês aos 11, aprendi alemão aos 17, fiquei no inglês até os 27. Alemão já não sei, quero aprender o espanhol.

Astrologia estudei em adolescente. Num ano de energia 7, o número do stress, fui aprofundar a numerologia e tive meu primeiro espanto: eu não era uma alma que vibrava a energia 8. O 8 do business, da autossuficiência, do mata a cobra e mostra o pau. Todo 8 tem orgulho de ser quem é. Eu tinha feito as contas errado.

Minha alma, em realidade, vibra dois números (praga do Y?), ora a energia do 33, ora do 6. O número mestre 33, idade de Cristo, mas que já foram logo avisando, uma energia muito sublime pra reencarnar nestes fins de era. (Do 33 talvez tenha herdado a facilidade de escrever.) Já a energia 6, essa é perfeitamente assimilável: meiguinha, amiguinha, queridinha. E insegura.

O insegura é que foi um choque pra quem se achava 8.

Mudou tudo. Ressignificou tudo. Sei que é besta, repensar quem somos a partir de um número, mas não é sempre assim? Com 1 ano, sua preocupação é perder o seio da mãe; aos 13 é ter seios iguais aos dela; aos 30, ser o seio dos filhos; aos 39 ainda os ter desejáveis; pra frente, que não lhe apareçam caroços neles.

Um dia me contaram que o Y sempre respinga no mapa numerológico, que sua vibração nunca é superada.

Mas achei outro jeito de lidar com ele: em vez de lamentar os desvios no caminho, resolvo encarar o Y como um funil, por onde as experiências diferentes que tenho na vida vão escoando. O funil é estreito; elas escoarão, portanto, lentamente – e assim arrasto o fim desta autobiografia pra um número, oxalá, próximo de 100.

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2012



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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Joyce revê Paulo Coelho

Parece improvável, mas recentemente o escritor brasileiro Paulo Coelho provocou literatos no mundo inteiro ao dizer que o clássico livro de James Joyce, Ulysses, caberia em 140 caracteres do Twitter. As reações dos fãs de Joyce foram indignadas, ainda mais porque, comparados os talentos literários de um e de outro, Paulo Coelho costuma ser desclassificado da categoria escritor.

Paulo Coelho, indiferente às comparações, postou o tuíte-resumo da obra-prima. Muitos avaliaram se foi válido ou não. Mas fiquei curiosa do que teria pensado o próprio Joyce, e ele me disse:

"O Alquimista, 65 milhões de livros vendidos. O quinto livro mais vendido no mundo. Harry Potter vendeu 400 milhões, mas eram 7 volumes. Vêm em terceiro lugar. O quarto é ocupado por O Senhor dos Anéis: 103 milhões. Só que são 3 volumes. O primeiro e o segundo lugar, ocupados, respectivamente, pela Bíblia e O Livro Vermelho de Mao Tse-Tung não valem: foram escritos por deuses. Bem, um nem tanto deus. Mas esse quinto lugar, ocupado na condição de livro sozinho, o autor desse aí tentou me pegar.

Aceito que tenham saído em minha defesa. Fico lisonjeado que meus fãs tenham dito ser impossível reduzir-me a um – como se chama mesmo este estranho mecanismo de forçar a criatividade que vocês criaram neste século? Ah, sim –, reduzir-me a um tuíte. Também acho prepotente: Ulysses em um tuíte.

Mas de certa forma me pareceu justo: se eu transformei um dia em dezenas de horas de leitura, é razoável que tenham transformado centenas de dias de meu esforço numa leitura de segundos. É uma transformação que se pode chamar de alquímica.

Enganam-se se acham que fiquei incomodado com isso.

Em realidade, diverti-me: se o tuíte tivesse vindo do autor do primeiro livro mais vendido, eu correria o risco de virar Verdade; se tivesse vindo do segundo, viraria revolução; se viesse da terceira autora, viraria fantasia; do quarto, loucura. Mas vim do quinto, e virei provocação.

Quer saber? Foi o único revisor diferente que em verdade tive. Antes dele, só eu havia cometido a insanidade de reescrever e revisar meus textos.

James Joyce"

 

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

domingo, 26 de agosto de 2012

Inconvênios - O Brasil não anima ninguém #2

– Tá sabendo que vão sair?
– Não, não é possível. Falei ontem com meu cunhado e ele não me disse nada.
– Ele não te falaria nada, Gustavo. Mas é fonte garantida. Todos vão se descredenciar ao mesmo tempo. Daí a Associação é que vai negociar o repasse da categoria com o Convênio. Tiro certo, não tem erro.
– Anestesista sempre vai na veia, né?
– E vocês? R$ 48,00 a consulta é dose, hein?
– Era 48... Reduziram 20%...
– Mais um motivo; vocês não conseguem fazer como eles?
– Pra mim não é interessante, Gustavo. Se eu fosse viver de consulta eu já tinha fechado o consultório. Mas preciso do Convênio pras cirurgias, você sabe.
– Sei, comissão das próteses e dos pinos. Vocês, ortopedistas...
– Não me critique; ou é isso ou eu já tava com as perna quebrada. E sua clínica, vai bem?
– Difícil, cara. Imagina que agora o Conselho não me deixa contratar sem registro. Sabe quanto eu ganho do Convênio por sessão?
– Bem, se a consulta o repasse é 48, a sessão deve ficar uns 18, 20...
– 3 reais.
– Ah, cê tá de sacanagem, Gustavo! Ainda tá assim? Pensei que vocês já tinham aumentado.
– Não, o que eu tava fazendo é contratar quarto-anista. Agora não pode, só fisioterapeuta formado.
– E com registro?
– Com registro em carteira.
– O que você pode fazer?
– Já fiz: coloquei pilates na clínica. O paciente da fisio sai e a gente manda ele pro pilates. 70 a hora. É o que tá colocando as finanças no lugar.
– É, não tá fácil pra ninguém.

No noticiário das oito:
"Acompanhe agora a reportagem com o especialista em finanças pessoais Silvio Duarte. Ele responderá a uma dúvida que muitas famílias brasileiras têm: como se proteger com gastos de saúde."
"Silvia tem 45 anos. Divorciada há 3 anos, ainda possui um plano de saúde em conjunto com o ex-marido, onde estão incluídos também seus dois filhos de 12 e 9 anos de idade. Silvia quer gastar menos com o plano."
"– A dúvida que eu tenho é se valeria a pena continuar pagando um plano de saúde ou se eu poderia fazer uma poupança para internações e exames caros. O que eu vejo é que meu plano aumenta todos os anos e cada vez tem menos médico aceitando consulta pelo convênio. Se eu precisar de uma cirurgia, que valor eu teria que ter na poupança?"

– Ivanir, por email, ao seu irmão Eduardo, que mora nos Estados Unidos:
Oi, Duda, td bem?
Entao, tive ontem no escritorio do advogado e parece que so com recurso mesmo. O plano eh obrigado pagar a cirurgia da mae. Mesmo o medico dela nao sendo do convenio, ele tem que pagar. O advogado me explicou que o hospital emite o comprovante das despesas com internacao, material e equipamento, mas todo o honorario da equipe fica de fora. Os honorarios ficariam em R$ 5 mil. O anestesista o convenio reembolsa.
E ai?
– Eduardo, por email, respondendo à irmã:
Mas pq nao reembolsa os 5 mil tb?
Bj
– Ivanir, em resposta ao irmão:
Nao eh que nao reembosa. Ate reembolsa, mas o medico so faz a cirurgia com particular. A mae nao quer operar com outro, nao confia. E tb nao acharemos nenhum outro. Ja fomos em quatro e ninguem opera pelo plano. A gente so paga o advogado depois que vier o reembolso.

– Tá em forma, hein, Fred?! Tá com tempo livre, acho que tô te pagando bem demais. (risos cordiais)
– Conselheiro, quem tem handicap 8 aqui é o senhor. Eu só estou com sorte. Hoje nenhum bunker me segura.
O caddie recomendava um novo ferro ao Conselheiro, que aceitava, bem humorado, dirigindo-se ao advogado Fred:
– Eu dei uma lida nos resultados, estes processos de reembolso estão aumentando, Fred. Aumentaram 35% em um ano.
– Não me culpe, eu só trabalho com a lei.
O conselheiro soltou uma risada irônica, que atrapalhou sua swing. Fred sentiu a boa sorte ameaçada por um súbito mau humor do conselheiro. Lembrou:
– Mas pense que vocês poderiam ter que pagar tudo, inclusive os honorários. No final, vocês não estão gastando, estão economizando.
– De qualquer forma, vou diminuir sua comissão pra 2% se esses processos de reembolso não diminuírem 20% em 18 meses.
Batendo um slice verdadeiramente infeliz, o advogado pensou consigo: – Dois por cento... como se eu já não lhe fizesse um favor. O Brasil não anima ninguém.

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2012
baseado em inacreditáveis fatos reais
da série O Brasil Não Anima Ninguém


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terça-feira, 21 de agosto de 2012

Eletrocutados – O Brasil não anima ninguém #1

O feliz do assalariado compra uma máquina de café expresso. Valeu a pena, pensa, antes pagava R$ 3,00 por um cafezinho decente, agora pode fazer seu próprio expresso em casa.

Na hora de ligar a máquina, sua animação cai: o plugue do aparelho não entra na tomada. As tomadas de formato antigo, que na hora de comprar a casa nova em 2010 pareciam boas – porque seus aparelhos domésticos eram todos velhos – , agora pareciam ruins. Ele xinga o empreiteiro, que deve ter colocado tomada nova só pra tirar o habite-se e depois trocou tudo na hora de vender.

Hoje não poderá provar o cafezinho. Terá que comprar um adaptador pro plugue da cafeteira. Isso o deixa um pouco aborrecido, pois dispenderá tempo, energia e dinheiro.

A mulher pergunta se não valeria a pena trocar logo a tomada, considerando que os aparelhos novos vêm com plugue padrão. Ele lembra a tostadeira para pães, que tem plugue antigo, e que sairia mais caro trocar o cabo de alimentação dela que comprar um adaptador pro plugue da cafeteira. Você não pensa direito, ela rebate, chateada que tenham uma tostadeira em tão mal estado de conservação. Calcula que será a próxima compra do casal e lembra que não precisam trocar o cabo da velha, basta comprar um adaptador pro padrão da tomada nova. Ele cede: vai instalar a tomada nova e comprará o adaptador pra tostadeira velha.

No dia seguinte, ele não instala a tomada. É cuidadoso, quer desligar o quadro de luz e só volta do trabalho tarde da noite, quando já tá escuro. Espera até sábado e troca a tomada logo depois do almoço, é coisa rapidinha, assim não precisa coar o café e eles podem tomar um expresso caprichado.

Tomada nova, depois de colocar o adaptador no plugue da tostadeira antiga, tenta plugar a máquina de café. Entrou?, pergunta a esposa. Puta que pariu, que merda é esta? Não entra, Gilza. A tomada não entra! Como não entra?, ela fala. Vê se tem o selo do INMETRO na embalagem da máquina? Ela verifica: tem. Por que não encaixa então? O adaptador da tostadeira, ele entra?, ela quer saber. Entra!

Com raiva, ele pega o carro, sai, gasta tempo, energia e dinheiro e compra um adaptador pro plugue da máquina de expresso. Já não está aborrecido, está furioso e questiona: se é padrão, como é que o plugue não entra na tomada nova?

Assim se passam alguns meses, aqueles adaptadores pendurados nos plugues da cafeteira e da tostadeira. O casal acredita que deve ter comprado uma máquina de expresso modelo antigo, quer dizer, que já devia estar embalada faz tempo e por isso não tinha ainda o plugue no formato novo – embora o plugue se parecesse exatamente com o formato novo, como eles pesquisaram na internet.

Quando compram uma nova tostadeira, têm certeza de que o plugue entra. É de manhã, sexta, o marido não saiu pra comprar pão fresco, porque ia estrear a tostadeira, esquentando o pão amanhecido.

Inacreditável! O plugue da tostadeira, que é novinha, lançamento 2012, não entra na tomada. Vou ligar no 0800; não, péra, tem que esperar até 9 horas senão ninguém atende. Liga você porque preciso sair pra trabalhar, ele pede à esposa.

- Alô! Sim, quero falar com o atendimento a clientes. É que comprei uma tostadeira… Qual modelo? Hum, tem escrito isso em algum lugar?… Vou ter que descer a escada pra ir na cozinha, você espera?… Tá, achei, é o modelo XPTO. O problema é que o plugue não encaixa na tomada. Se a tomada é no padrão novo? Sim, claro que é. Você vai me passar pro engenheiro responsável? Tá, espero. (…) Oi, bom dia. O que eu queria dizer é que a gente comprou uma tostadeira da sua empresa e o plugue dela é mais grosso que o buraco na tomada. Sim, a tomada é nova, trocamos nesta semana.

- Senhora, o que ocorre é o seguinte: a senhora terá que comprar um adaptador.

- Como assim, não é padrão?

- Pois é, é difícil pra gente também. O INMETRO tem um padrão com pino de calibre 4 mm pra aparelho que puxa menos de 1.500W e outro, de calibre maior, com 4,8 mm, praqueles que puxam mais.

- Ah, cê tá bricando! Quer dizer que a tomada era pra ser padrão, mas não é?

- Isso, infelizmente; fica difícil pra gente também; temos que pedir aos nossos clientes que comprem adaptador quando a tomada não encaixa.

- Caramba! Mas não era pra ser seguro? A gente sabe que usar adaptador com aparelho elétrico não é recomendado…

- Pois é. Alguém deve ter ganhado muito dinheiro com isso.

Gilza desliga o telefone. Vai e liga pro marido, pra lhe contar a história. Ele acha um absurdo. O novo Padrão Brasileiro de Plugues e Tomadas não é tão padrão assim e, a menos que você seja do ramo, nunca saberá se deve instalar uma tomada com furos de 4 mm ou de 4,8 mm de calibre, se é que esta distinção está afixada nas gôndolas que vendem tomadas .

Bebendo um expresso com os amigos de trabalho na cafeteria da esquina, ele conta a confusão. Já não está furioso. Está em choque. O Brasil não anima ninguém.

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2012

baseado em inacreditáveis fatos reais

da série O Brasil Não Anima Ninguém

O Brasil não anima ninguém – a série

Em 05 de abril de 1993, o jornalista Daniel Piza entrevistava o pintor Iberê Camargo para a Folha de São Paulo. Falecido aos 79 um ano depois, o artista deixou um acervo de mais de 7 mil obras e era considerado, por muitos, o “maior pintor brasileiro vivo”.

Na entrevista, Daniel Piza menciona o epíteto, indiretamente perguntando se o pintor queria ter seu lugar na história. A resposta de Iberê colocou um ponto final na questão:

“O Brasil não anima ninguém. Enquanto conversamos, o rio Guaíba aqui fora está virando um córrego miserável, sujo, e ninguém faz nada. Eu estou na luta, é só.” (in: Perfis & Entrevistas de Daniel Piza, Editora Contexto, 2004)

Na sequência da entrevista, Iberê ainda declarou que o Brasil era um gigante com cabeça de galinha, lamentando o fato de que uma série que tinha pintado para arrecadar fundos para portadores de HIV não ter vendido bem.

De minha parte, acho que nada mudou muito de 93 para cá. Lamentavelmente, a única coisa que conseguimos enxergar com a estabilidade da moeda e o crescimento econômico foi a possibilidade de comprar mais e ganhar mais.

Já disse a alguns amigos que a pior lição dos últimos governos é que eles ensinaram, pelo exemplo, que é indiscutível termos direitos, mas é uma idiotice ter deveres. No século XXI brasileiro, pode-se sempre mais, nunca menos.

Abro meu blog de crônicas para a série “O Brasil não anima ninguém” em que vou escrever sobre assuntos que mostram que, em se tratando do governo e de seus fornecedores, Iberê Camargo continua tendo razão. O Brasil virou um país sem subtrações.

Iberê, também estou na luta.

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2012