sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Apocalipse/Pólvora

 

Apocalipse 1

Quando acordou, o dinossauro não estava mais lá.

 

Apocalipse 2

O apocalipse não veio e morreram todos de desgosto.

 

Apocalipse 3

Deus e o Diabo brigavam pela primazia do apocalipse, veio o homem e passou na frente.

 

Pólvora/Apocalipse

Apocalipse: muita, mas muita pólvora.

 

Pólvora 1

Ingerir pólvora não faz um grande efeito. Pra isso é necessário estar com queimação no estômago.

 

Pólvora 2

A notícia caiu como uma explosão no mar quando, carregado de pulseiras nos tentáculos, o polvo disse que na verdade era uma pólvora.

 

Pólvora 3

Pólvora: um polvo que saiu do armário.

 

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2013

 

Microcontos escritos durante exercício com as palavras “apocalipse” e “pólvora” na Oficina Literária com Marcelino Freire – Semana Literária SESC 2013 – Curitiba – 19 e 20/set.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O primeiro

Já passei por algumas oficinas literárias. Escritores desta época, que as conduzem, têm nomes comuns.

É assim que, entre eles, compareceram dois Joões, o Carrascoza e o de Castro Rocha. Também houve dois Josés, olhe só: o Castello e o Torero. Estive com um Luiz, o Ruffato, e um Sérgio, o Vilas-Boas.

Mas nunca tinha tido, por professor, um nome tão singular quanto Thelonius.

Sim, isso mesmo; não surtei: Thelonius Monk, o pianista, abriu três dias de oficina com sua música.

Colocaram um show seu, gravado em DVD, para tocar na sala, e o convite foi pra que aprendêssemos escrever com ritmo, harmonia, melodia e cadência.

Enquanto conversávamos sobre nossas crônicas, o piano continuava baixinho, não atrapalhava. Antes, era um charme. Numa sincronia misteriosa, que só ocorre em oficinas de escrita criativa, coincidia o momento em que Thelonius saía do piano e um de nós lia o próprio texto. Parecia que parava só pra nós.

Foi, de longe, o laboratório de escrita mais criativo de que participei.

Ao final, posamos para a foto, alunos e maestro agrupados. Ah, não te falei?!

O jazz se faz de improvisos, mas uma oficina requer um escritor experiente:

De nome comum, como os demais, o mestre Antônio Torres sorria para a câmera ao nosso lado.

Foi meu primeiro Antônio. E o primeiro a gente nunca esquece.

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2013

para a Oficina de Crônicas com Antônio Torres

Agosto de 2013 – Biblioteca Pública do Paraná – Curitiba/PR

quinta-feira, 20 de junho de 2013

É por 20 centavos, sim, dá licença?!

Novamente estão zombando da classe média no Brasil. Novamente estão querendo dizer que as manifestações que explodiram, em todo o país, a partir do aumento da passagem de ônibus na cidade de São Paulo, são ilegítimas, feitas pela elitezinha de direita.

Num post, li que essas manifestações não são nada perto dos verdadeiros movimentos sociais que ocorrem nas periferias das cidades, ou nos rincões agrícolas, esses, sim, oriundos do verdadeiro povo que sofre.

Noutro, li que as pautas que estão surgindo, como “fim da corrupção”, “impeachment da Dilma”, “contra impostos” são reacionárias.

Acho lamentável que a classe burguesa brasileira tenha, em algum momento de sua parca trajetória de vida, assumido culpa por pagar plano de saúde, por pagar escola particular, por pagar IPVA e por pagar Imposto de Renda.

Acho doloroso que, em algum momento surreal na história do Brasil, pessoas que trabalham 8 horas por dia, gastam 30% do que recebem com moradia, 10% com educação, 10% com transporte, 20% com alimentação e 20% com saúde, sejam incitadas a pensar que estão na dívida com os oprimidos.

Acho uma pena que a classe média, no Brasil, seja forçada a acreditar que tem o que tem (nossa, e deve ter um tantão mesmo, não?!) porque nasceu em condições favoráveis.

Acho um escândalo que sejamos obrigados, por uma questão de não ofender os que têm menos dinheiro que nós, assumirmos que essas manifestações não sejam por R$ 0,20. Eles (os críticos) devem pensar que reclamamos de barriga cheia.

Em primeiro lugar, o verdadeiro povo brasileiro somos todos nós, os mais ricos, os mais pobres, os nem tão ricos, os nem tão pobres, os mais pra ricos, os mais pra pobres e o restante que tá na média alta, na média média e na média baixa. Não existe um verdadeiro povo brasileiro.

Os ricos argumentariam que, se não fosse por eles, não haveria empresas que geram empregos para os pobres e pros média, divisas pra investir em programas sociais pros pobres e financiamentos pros média.

Os pobres argumentariam que, se não fosse por eles, não haveria mão de obra que tornam os ricos mais ricos e os média menos média.

Os média argumentariam que, se não fosse por eles, não haveria arrecadação de impostos que geram os programas sociais para os pobres e que geram fundos para financiamento das empresas dos ricos.

Quem tem razão? Todos têm.

Está na hora de vivermos com a cabeça de século XXI. O mundo é complexo demais para as relações serem polarizadas. Não existe mais essa coisa de explorador e explorado. Todos somos o tempo todo explorados, e também os exploradores.

Sob um ponto de vista, um funcionário público que goza de licença prêmio remunerada é tão burguês quanto um dono de negócio.

Sob um ponto de vista, um pobre que, empregado numa indústria, arruma “papel do postinho de saúde” pra poder fazer bico como servente ou diarista é tão corrupto quanto um vereador que usa o carro oficial pra levar a filha na escola.

Sob um ponto de vista, um rico que coloca dinheiro na campanha de um candidato à presidência é tão interesseiro quanto um professor de rede pública que vota no candidato que promete aumentar o salário da sua categoria.

No mundo atual, é muito, muito difícil classificar bons e maus apenas pela ética. O único critério que talvez não dê margens para dúvidas sejam agressões contra o corpo e a vida de alguém, agressões literais, do tipo assassinato, mutilações, pancadas, negação de cuidados médicos.

Quando a classe média quiser brigar por R$ 0,20, qual é o problema? Não, falo sério, qual é o seu problema com a classe média levantar a bunda do Facebook e ir pras ruas exigir o que ela acha de direito?

Por que, no Brasil, apenas os sem teto, os sem terra, os sem salário podem ir pras ruas? Que tipo de miopia você tem que não enxerga que as reivindicações, depois do século XX, são plurais mesmo? Cada um, hoje, fala por si. Inclusive você, que acha que está falando pelos outros, fala por si, para aplacar a revolta que o corrói por dentro e faz com que você queira dedicar sua vida àqueles que não têm o mesmo que você.

Vamos assumir de uma vez por todas que somos intrinsecamente individualistas. E que não há o menor problema em sermos assim.

Individualistas estão, hoje mesmo, dando voz aos animais que não têm voz própria para lutar por seus direitos. Qual é o sentimento que move esses ativistas vegans? Querem proteger aqueles que amam.

Individualistas estão, hoje mesmo, reivindicando a reintegração de posse a povos indígenas. Qual é o sentimento que os move? Querem sentir que a justiça está sendo feita.

Individualistas estão, hoje mesmo, doando trabalho voluntário na ressocialização de drogados de rua? Qual é o sentimento que os move? Querem tornar a vida algo que valha a pena.

Se as reivindicações lhe parecem reacionárias, olhe para as que você faz, que, certamente, na visão dos que não são alvo delas, são tão excludentes quanto as que estão sendo manifestadas hoje. Nenhum ser humano merece menos do que o outro.

Se lhe incomoda o tom ufanista dessas manifestações, tenha compaixão. Muitos dos que estão na rua nasceram na virada deste século. Não estão fazendo por mal, não querem ofender, não querem desvalorizar o tanto que sua geração fez por este país. Mas eles viverão mais tempo que nós, nesta pátria, a contar de agora; e o Brasil deles realmente é uma porcaria, vamos concordar: tem inflação (nós sabemos viver com inflação, eles não), tem corrupção impune, tem governantes que não os representam, tem um sistema político e tributário fossilizados e, pior, parece não ter solução, parece ser disso pra pior.

A gente tem mais é que gritar junto, apoiá-los. Reprimir e ridicularizar é o modo como fomos educados no século XX. Arrume outro discurso, outro jeito de criticar.

Coloque mais neurociência na sua sociologia; mais física quântica na sua matemática; coloque mais verde na sua massa cinzenta.

Deixe que este seja um país onde é legítimo qualquer cidadão brigar por R$ 0,20. 

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2013

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Carnachuva na Chuvitiba de zumbis.

Quando dois amigos fluminenses foram ao show da Mart´nália em Curitiba, vieram comentar – não sem modéstia – que curitibano não sabe sambar. Não é um pecado da genética polaca da cidade: no Rio, louras imaculadas sambam também. É uma falta de jeito mesmo.

Daí que só podemos agradecer à chuva e ao frio que cai sobre a cidade neste Carnaval. Estamos livres do vexame de ver curitibano sambando na rua. E sambam? Sambam, pois que sambam. Sambam como japoneses, alemães, norte-americanos e ingleses. Não reviram os olhinhos, não remexem as cadeiras, e jamais, em tempo algum, acham-se filhos de São Salvador.

Mas fazem barulho. Os poucos que, desinibidos, saem; esses fazem barulho. É privilégio curitibano sambar embaixo de chuva constante, fazendo ensurdecedores xóqui xóquis a cada pisada no chão empoçado. Nenhum samba no pé, em parte alguma do Brasil, espalha mais água por centímetro quadrado.

É que o Carnaval de cá é uma mistura decente de brasilidade com Gene Kelly: a música tem tamborim, mas a indumentária, o cenário e os efeitos sonoros são cópia da famosa cena do filme Cantando na Chuva.

Meus amigos também repararam que damos azar: sempre chove no Carnaval. Precisei corrigi-los. Em se tratando de feriado com data móvel, não é azar – é fato consumado: em Curitiba, como chove de fevereiro a março, só se o Carnaval fosse comemorado em Dia de São João para não estar chovendo. Mas então teríamos frio. Aquele frio de lascar, que não combina em nada com samba, suor e cerveja, pra nem citar mulher pelada, que não se veria de qualquer modo por aqui, nem no verão, muito menos no inverno.

O que fizemos então para lidar com um Carnaval molhado e falta de ginga? Inventamos uma Zombie Walk, uma folia com pessoas fantasiadas de mortos-vivos, maquiados como se tivessem levantado naquela manhã da própria tumba, seus corpos ensopados sendo expulsos de covas inundadas.

No ano passado, 4,5 mil zumbis apavoraram qualquer intenção que Momo tivesse de estender o reinado por aqui. Ao som de guitarras rockeiras, baterias histéricas e baixos sombrios, dançaram seu peculiar Carnaval curitibano. E quando a terça-feira ia se esvaindo em chuva, não houve lamento: na tumba em que vivem, não apenas a quarta, mas todos os dias são de cinzas.

escrito por Mayra Corrêa e Castro ® 2013

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Empreendedores, só que não.

É um troço intrigante que eu receba no email muito mais orçamentos que não solicitei sendo que, para os solicitados, sequer um telefonema. Pesquisas dão conta de que o brasileiro é um dos povos mais empreendedores do mundo. Mas, se for, inverteu tudo que é apregoado nos manuais de boas práticas administrativas. Quando a história chega no quesito vendas, brasileiro adora vender, mas só pra alguém que não queira comprar.

Se você, meu chapa, for do tipo cliente que quer comprar, se lascou-se. Pode telefonar, pode enviar email, pode ligar de novo. Não adianta, não vão lhe responder. Cliente que quer comprar, no Brasil, se transmuta num tipo odiento conhecido pelo nome de pidão. Pidão.

Aí você sabe como é que é: o pidão pede ajuda, explicações, quer agendar visita em casa, ou quer ir até a loja, via de regra não entende o que está comprando, então toma tempo atendê-lo. Achei que a internet fosse aliviar um pouco o trabalho duro de vender serviços ou produtos que exigem orçamento. Mas nada!

Do outro lado do micro, é email que não chega, que vai pra caixa de lixo eletrônico, que deletam porque supunham já respondido. É notebook que dá pau, é o raio da puta que o pariu que caiu em cima da cabeça do vendedor e ele morreu e ninguém acha o arquivo que ele tinha deixado pronto com os seus dados.

Brasileiro, na era da internet, gosta de vender assim: manda um spam e quem cair na rede é peixe. Moleza. Dizem que brasileiro é empreendedor, só que não.

escrito por Mayra Corrêa e Castro (r) 2013