quinta-feira, 31 de maio de 2012

Na faixa, pare.

Quando entrei pela primeira vez no carro de minha instrutora de reciclagem, eu estava tão, mas tão nervosa que nem li se na faixa amarela que envolvia seu corsinha de cabo a rabo vinha escrito autoescola ou não. Vi apenas que a cor era amarela e pra mim ficou de bom tamanho: só queria que as pessoas identificassem que eu não sabia dirigir e assim fossem mais pacientes com qualquer barbeiragem ou com os meus 30 quilômetros por hora.

Um carro destinado à reciclagem de motoristas habilitados é praticamente igual ao carro de autoescolas: duplo comando de freio e acelerador, um espelho retrovisor no parabrisa do passageiro, a tradicional faixa amarela na lataria.

Se bem que esta faixa pode ser uma faca de dois gumes. A maior parte das pessoas respeita, entende que você está aprendendo, não buzina, não cola na traseira, dá a preferência. Mas sempre tem aquele ser estúpido, que atende pelo nome de mal-educado, achando que o aluno de autoescola é a vítima perfeita para sustos. No geral, entretanto, a faixa mais ajuda que atrapalha.

Motoristas de reciclagem desfrutam das benesses desta faixa. Eu desfrutava, só que com requintes. Percebi que, no sinaleiro, as pessoas viravam o rosto para me olhar, e sorriam de forma complacente. Saindo de casa, um conhecido me viu dirigindo e me deu os parabéns. Além destas cortesias, era maravilhosamente fácil dirigir com um ônibus atrás, com um caminhão na frente – o corsinha parecia mágico.

Foi só lá pela minha décima ou décima-primeira aula que, mais tranquila, pude prestar atenção na faixa amarela na lateral do carro de minha instrutora: não estava escrito autoescola, mas reciclagem. Puxa, pensei, então estou dirigindo bem; ninguém teria benevolência com alguém que já sabe dirigir!

Meu orgulho durou pouco. Quando minha instrutora se foi, olhei a traseira do carro e lá estava escrito: direção defensiva. Quando ela subiu numa rampa para voltar, li o adesivo da frente: medo de dirigir.

Suspirei. Afinal as pessoas não eram boas comigo, elas apenas se afastavam do meu carro de medo que eu lhes batesse ou tivesse um surto psicótico no volante. Na época parecia constrangedor. Hoje, alguns milhares de quilômetros de mãetorista depois, acho que foi libertador: quantas vezes você tem chance de pegar o carro e dirigir como se tivesse uma sirene em cima, todos lhe dando passagem, hein?! Eu tive! E ainda posso contar a piada!

Falar e dirigir ao mesmo tempo

Um amigo meu, que também não dirigiu depois que tirou sua carteira de habilitação, tinha a mesma dificuldade que a minha: fazer curva, freiar, trocar marcha, acelerar e ainda olhar no espelho. Como ele, também acho esta uma habilidade invejável. Note que a pessoa que faz curva com carro de câmbio manual consegue executar cinco coisas ao mesmo tempo! É praticamente a habilidade de uma atleta de ginástica rítmica.

Quando a mim, curva é uma habilidade que só passou a ser natural quando mudei para o carro automático. Mas dirigi um corsinha manual. E fiz curvas, não é o máximo? Tudo bem que a 20 por hora, mas fiz!

Lembro que tinha pegado meu primeiro engarrafamento em Curitiba, na esquina da Dr. Faivre com a Conselheiro Araújo, aquele furdunço que desemboca no Círculo Militar. O corsinha era da minha instrutora, o anjo que me ajudou a dirigir depois de 20 anos sem pegar num volante. O clima estava tenso, eu tinha que controlar o carro apenas na embreagem e, entenda a situação: era meu primeiro engarrafamento no centro!

Esta minha instrutora falava, contava seus causos e eu achava bom que fosse assim, porque aliviava o stress. Quanto medo que eu tinha de bater no carro na frente! Mas eu também conversava com ela. Batíamos papo, o carro andava meio metro e parava, mais meio e parava. E continuávamos conversando.

A certa altura, ela parou e olhou bem na minha cara e percebeu minha aflição:

- Nossa, você quer que eu pare de falar? Isto atrapalha sua atenção?

Então me toquei de que eu possuía uma habilidade ímpar, que se manifestava mesmo diante de todo o medo que eu tinha de pôr as mãos num volante: eu sabia dirigir e falar ao mesmo tempo.

Ah, puxa vida: eu podia não ser boa em rampa, em curvas, deixava o carro morrer. Mas falar e dirigir ao mesmo tempo, bá, sensacional! Porque sou mulher, evidente. Nós fazemos qualquer coisa falando ao mesmo tempo. Ver TV: podemos falar o tempo todo e ainda entender a história. Comer: podemos falar o tempo todo e ainda manter a classe de não arrotar. Sexo? Fala sério; nem vou responder de tão óbvio.

Virei para o anjo de minha instrutora e lhe disse que continuasse falando, que estava tudo bem. Passamos finalmente pelo Círculo, entramos na Marechal e saí da aula realizada: eu tinha enfrentado o trânsito, levado minha primeira buzinada e podia relatar toda a experiência em live streaming. Falar e dirigir ao mesmo tempo é o máximo!

PS: Mas não ao celular. Segurar um celular enquanto se está dirigindo, como dizia Oprah Winfrey, is stupid! Use bluetooth ou simplesmente não fale, caramba!