sexta-feira, 1 de junho de 2012

O IPO de Adailê.

Conto escrito por Mayra Corrêa e Castro

 

Não que Adailê não amasse o marido. Vingar-se era um apelo de gênero. Viveram falta de dinheiro, filhos, meses sem sexo que fazem um casal desistir. Ela não desistiu nem no sabático para cuidar dos filhos. Quando conto isto, eles já são adultos. Como esperado, o sabático de Adailê se estendeu para o “dona de casa”.

O marido ascendia. De empregado a sócio; de um carro 1.0 para 3.0, moto, barco, adega. Tudo que Adailê conseguiu era não ter ficado burra e feia. Ela não queria ficar para trás.

Adailê tinha bons genes. Após vinte anos, não precisava muito para continuar bela. Para a burrice, desenvolveu estratégias. Nelas concentrava seus esforços. Mesmo sem trabalhar, mantinha hábitos executivos: lia revistas de economia, vestia-se bem. Ela dizia que um homem de negócios, como seu marido, só possuía interesse naquilo que desse lucro. Se ele olhasse para ela e visse ali um centro de custo dispendioso, a primeira coisa seria cortá-lo. Dando inveja a gurus, Adailê mantinha seu centro enxuto e permanecia em forma só com mesada.

Uma engenharia difícil: para economizar, Adailê fazia suas unhas e cabelo; ficava com roupas de caridade; usava academia do parque; lia revistas emprestadas. Eu mesma lhe dei minha senha para a leitura de um jornal.

Era um esforço sem reconhecimento. Eu teria explodido. Ela explodiu também, só que fez antes o planejamento estratégico. Começou assim: ela queria ler uma revista que o marido assinava. Sempre preocupada com seu fluxo de caixa, pediu ao marido que trouxesse a revista do escritório. Ele nunca trazia. Isto bastou para minar o romantismo dela: quis ultrapassar o marido.

Começou aplicar suas economias e chegou a um patrimônio no valor que o marido havia despendido em bens móveis, imóveis e gastronômicos. O passo conclusivo seria pedir o divórcio. Adailê me explicou que IPOs bem sucedidos são engendrados no drama. Ela aguardou o seu.

Num domingo, o marido tinha saído com clientes. Ela pediu as revistas que ficavam no barco. Ele falou: “Você me enche com estas revistas!”. Enquanto ouvia o ronco da moto, Adailê foi ao micro e imprimiu uma página. Depois foi à garagem. De seu carro tirou dez caixas e as colocou no porta-malas do carro do marido. À noite, ele chegou exultante, mas ela estava séria.

- Algo errado?

- Sim. Trouxe as revistas?

O marido achou absurdo que ela só pensasse naquelas malditas revistas. Ironizou:

- TPM?

Adailê percebeu a oportunidade e resolveu lançar seu IPO. Pediu o divórcio e entregou o papel. Eram as condições. Surgiu com uma mala e desceu à garagem. Ele não sabia se lia o papel ou a seguia. Quando se resolveu, correu e a viu ir.

O ex-marido percebeu que o divórcio o arruinaria. Olhou para o carro e notou as caixas. Abrindo o porta-malas, rasgou-as sem acreditar no conteúdo: coleções de revistas de negócios. Encontrou um bilhete: “Engula ou enfie.” Junto dele havia o cartão de visitas de uma consultoria. Ele leu: “Para futuras ex-donas de casas. Adailê Marquezine, CEO”.

 

Este conto também foi enviado para o 4º Concurso de Contos das Livrarias Curitiba, edição 2012. Teve a limitação de 3 mil caracteres. Não foi selecionado.

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