Há momentos na vida em que você resolve encarar de frente sua inabilidade para ganhar dinheiro. É quando pagar a escola dos filhos impede que você viaje para o réveillon na praia e quando o IPVA derruba suas intenções de trocar o computador.
Inscrevi-me num destes seminários punk-rock-hard-core-heavy-metal de desenvolvimento de habilidades empreendedoras, destes que o arrasam primeiro para o reerguerem depois. Estava pronta para fazer uma reengenharia nos meus processos mentais, aprender estabelecer metas e cumpri-las. Estava decidida a tomar as rédeas de meu futuro promissor endinheirado.
O seminário foi pauleira mesmo. A gente não dormia direito, não comia direito, mal tinha tempo para fazer xixi. De cara, aprendi que empreendedor, para ser rico, tem mesmo que passar fome, frio e sono desde a faculdade e durante a minha fiz exatamente o contrário de tudo isso: frequentava festas, faltava às aulas matinais para dormir até mais tarde e cedo abandonei o bandejão para comer melhor e mais caro na cantina. Notei quanto dinheiro vinha gastando com meu conforto desde então.
Passados seis dias de penosas provas, obtive o certificado do curso, ganhei dois dos três prêmios distribuídos aos participantes e me considerei pronta para remodelar meu negócio de acordo com metas assaz estimulantes.
Foi quando me enviaram um “you tube” da Pipoca do Valdir. No video, este microempreendedor do ramo alimentício mostrava como tornava seu carrinho de pipocas o melhor de Curitiba. Todas as lições pelas quais paguei uma fortuna para aprender no seminário estavam lá, postas em prática, e com louvor:
- O aprimoramento constante da qualidade do produto: Valdir tinha resolvido fritar o milho em óleo de girassol para agregar menos colesterol ao seu cliente;
- O fator “a mais” no atendimento a clientes: Valdir oferecia aos clientes álcool gel antes de lhes entregar a pipoca e a entregava junto com um kit higiene contendo guardanapo, palito de dente embalado e bala de hortelã;
- O foco no core business e na meta: Valdir vendia apenas pipoca no seu carrinho e nada mais; em compensação, queria ser a melhor pipoca da cidade;
- O cuidado com a marca: Valdir investia forte na limpeza e higiene de seu carrinho, que brilhava de tão limpo, e ainda tinha um jaleco branco impecável para cada dia da semana.
Diante de tão assintosa prova de que novamente eu tinha gastado dinheiro para aprender o que muitos já sabiam, tive que conferir in loco aquela proeza do gênio empreendedor. Fui até a Praça Tiradentes comer a pipoca do Valdir. O que esperava? Secretamente, que tudo aquilo mostrado no You Tube houvesse sido maquiado, que a propaganda fosse enganosa.
Mas a prova dos nove deu vitória ao Valdir. Sua barraca era mesmo impecável, o kit higiene realmente foi entregue, o álcool gel de fato estava à disposição e sua ajudante estava usando o jaleco da terça e não da segunda-feira.
Mas um empreendedor, por mais bem preparado que esteja, nunca estará inteiramente preparado para uma cliente vegetariana ecochata como eu. Eu queria comer pipoca salgada, mas ela estava salpicada de bacon. “Arrá!”, pensei. Como Valdir não estava trabalhando naquele dia, virei para sua ajudante e disse: “Olha, eu tenho uma sugestão a fazer: que vocês não coloquem bacon na pipoca, senão os vegetarianos não podem comer.” A ajudante apenas me olhou e disse: “A pipoca doce você pode.”
Comprei a pipoca doce. Não queria; queria a salgada. Mas eu tinha que comprar alguma para testar o atendimento pós-venda. Saí de lá contrafeita, porque não comi a salgada, porém satisfeita, porque o Valdir não era, afinal, visionário. O mercado vegetariano cresce e ninguém mais pode deixar de atendê-lo.
Passados 365 dias, topei com o carrinho do Valdir de novo. Eu estava com fome, não tinha almoçado e resolvi despejar nele meu desgosto por não encontrar nada vegetariano para comer naquele centro da cidade. A visão do público vegetariano ainda está muito distante do radar dos donos de padarias, lancherias e botecarias.
Falei diretamente ao Valdir, notando o capricho irretocável de seu carrinho e uniforme, como naquela primeira vez: “Ah, Valdir, eu queria comer a pipoca salgada, mas não como bacon.” Mal eu tinha terminado a frase e ele abriu um sorriso: “Mas eu faço na agora para você! Demora só um minuto. Tem muita gente que não come bacon, é só falar que faço na hora mesmo!”
Saí da barraca com minha pipoca salgada , meu kit higiene contendo bala de hortelã e guardanapo e agora, ao invés de palito de dente, fio dental embaladinho. Fiquei arrasada: depois de um ano, eu ainda não tinha ideia de metas para minha vida e o Valdir ali estava redimido, entregando-me pipoca quentinha quando tudo o que eu queria era apenas a pipoca sem bacon.
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Assista aqui ao you tube da Pipoca do Valdir. Sou fã!
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