sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Aflições busísticas

No linguajar dos pobres coitados que não dirigem, há vários apelidos carinhosos para ônibus: “bondão”, que acham popular, mas que eu considero culto, porque mostra que o sujeito sabe que seu antecessor na história da cidade eram os bondinhos elétricos; “busu”, outra alcunha cultíssima, que remete ao anglo-saxônico bus; e aqueles que são locais, como nestas vias de Curitiba, onde nunca pegamos simplesmente um ônibus, mas sim o “vermelhão”, “o verdão”, o “ligeirinho”, o “ligeirão” e, mais recentemente, o “Avatar”, conhecido à boca miúda como “Viagrão”, dada sua cor azul e ao fato dele levar todo homem honesto rapidamente ao trabalho.

Dos apelidos que mais gosto, consta o busu. Mas não o uso assim, em qualquer circunstância. Em dias normais, quando a espera por um ônibus está nos atrasos regulamentares, ou quando ele está bem cheio, ou quando todas as janelas estão fechadas e o povo tossindo, pego simplesmente um ônibus para vir para casa.

Pegar um busu é só para quando o troço sai realmente do convencional. Como um dia destes:

Saca assim uma praça bem entupida de gente, trânsito, barraquinha de pipoca e transeuntes no centrão-nervoso? Esta praça aqui na minha cidade se chama Tiradentes. Pois chovia, e eu estava andando pela Tiradentes em direção ao ponto do meu ônibus. Guarda-chuva na mão, bolsa a tiracolo na outra e a sapatilha encharcada fazendo aquele barulhinho xóqui-xóqui quando eu pisava. Olhei de longe e não acreditei na minha sorte: meu ônibus já estava lá, prontinho, de porta aberta, esperando para eu entrar.

Pisei no primeiro degrau fechando desajeitadamente o guarda-chuva. Cumprimentei o motorista – que sou gentil, oras! –, saquei do cartão-transporte, passei pela catraca e vi que o fundo estava vazio. Puxa, que sorte mesmo! Pegar ônibus com o fundo vazio em dia de chuva não é para qualquer um, não, meu irmão!

Passei por um, passei por outro, ultrapassei os limites da primeira porta de saída e… estanquei: no corredor, impedindo completamente a passagem da mais magrela das pessoas, havia dois distintos trabalhadores segurando por alças dois imensos volumes bem dispostos no chão: um deles, pelo que calculei, de uns 50cm por 40cm por 100cm. O outro volume mais baixinho, porém mais largo. Ou seja: alguns vários milímetros cúbicos assintosamente estacionados no corredor. Estava bem explicado, visilmente demonstrado porque o fundo do ônibus estava vazio.

Mas eu ainda não tinha perdido a esperança de me acomodar mais folgada naquele trajeto até minha casa. Dei meia-voltinha e fui buscar espaço nos degraus da escada da primeira porta. Não é lá muito seguro, mas era longe o suficiente das roupas molhadas, das janelas enlameadas de hálito quente. É neste momento do relato que meu ônibus conquistou o mérito de ser chamado “busu”.

Enfiada nos degraus da porta estava uma menina segurando inacreditável meia-dúzia de bexigas. Cheias!, tá me entendendo? Cheiazinhas-da-silva. Desisti de fazer qualquer movimento. Fiquei ali mesmo, imóvel, a contragosto, segurando arduamente um cano gelado muito acima de mim até ficar óbvio à moça festeira que ela teria que descer com seus balões para que eu saísse do busu.

Cheguei em casa estupefata: que se queira fazer compras na cidade e carregá-las no busu, tudo bem. Que se queira economizar o táxi em dia de chuva, melhor ainda. Mas que se queira levar bexigas cheias para casa de busu, ah, isto era o fim do mundo! Por pouco não fomos todos para a casa dela também, animar a festa fazendo um cachezinho como palhaços.

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