Nos anos 90, a Unicamp era um cadinho linguístico. Numa aula em particular de fonética, tivemos a oportunidade de comparar algumas diferenças de sotaque in loco. Como havia alunos do nordeste ao sul em nossa sala, apenas a apreensão de um simples “a” rendeu inúmeras variantes.
Deve ter sido bem nesta época que me apaixonei por Linguística e abandonei amigos e melhores amigos de Letras para trilhar a aridez da ciência da linguagem. Nunca mais ouvi nada com os mesmos ouvidos.
É assim que, vindo morar em Curitiba apenas um ano depois de formada, notei um modus linguisticus local de apelidar as pessoas a partir do nome próprio. A coisa toda é muito engraçada para um ouvido “alhures”, sobretudo paulista como o meu.
Começou numa empresa em que trabalhei. A secretária se chamava Fernanda. Depois de algumas festas de confraternização, esta suprema representante do Diretor já estava íntima dos subordinados dele e então passamos a nos tratar comumente pelas iniciais de nossos nomes: ela era a Fê, eu era a Má. No mesmo departamento, ainda havia a Dri e o Má
Era assim que nos chamávamos. Tudo muito usual e comum no variante brasileiro.
Estranho foi quando notei como se escreviam estes apelidos. Num email vindo da Fernanda, não se lia na assinatura o esperado Fê, porém Fer. A Dri era Adri. Má era Mar. Mas este Má não dizia respeito a mim: eu era May.
Então apurei os tímpanos, porque se estavam escrevendo Fer, Adri, Mar e May estas pessoas não poderiam estar pronunciando Fê, Dri, Má e Má para se referir a mesma coisa.
E não estavam mesmo. Meu ouvido seletivo não percebeu toda a fonética daqueles apelidos. As pessoas falavam de fato Fer, com o erre no final; Adri, com o a átono no início; Mar com erre mesmo e – salve-me Saussure! –, May com um izinho no fim.
Pela primeira vez como bacharel em linguística eu via o fenômeno da hipercorreção dar o ar da graça em uma situação totalmente inédita para mim.
Se o nome se escreve Fernanda, reduzi-lo à primeira sílaba resulta em Fer e será com este “erre” no final que a dita cuja será chamada a partir de então. Se o fulano se chama Marcelo, seu apelido deverá ser Mar, ora bolas! Dri, para um nome que é Adriana, não pode funcionar. Pela lógica da hipercorreção, Adri é mais adequado.
De todos os exemplos que comecei a coletar, o mais surpreendente foi mesmo o que aconteceu com o meu nome. Depois de passar vinte anos da vida sendo chamada de Má - e por vezes acreditar que de fato o fosse -, Curitiba me resgatou para o May.
Não importa que meu “y” seja tônico: rebatizaram-me ditonga crescente. Seja porque seguiram a lógica de hipercorrigir pela escrita, seja porque olharam para meu sorriso e o acharam mais doce que vil, virei May.
Em todo o Brasil sou Má. Mas em Curitiba, esta gentil terra de apelidantes excêntricos, sou May.
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